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Este espaço reserva-se à publicação dos Cadernos da Fortaleza. Com esta rubrica, o museu procura divulgar aspectos mais detalhados sobre os contextos que conduziram à edificação da Fortaleza de São Tiago bem como, da sua posterior reconversão em espaço museológico, na última década do século XX.

16.8.09

CADERNOS DA FORTALEZA V

Os anos 60 em Portugal

Os anos 60 foram marcados por um desvio do debate artístico no “espaço” que compreendia o panorama português.
O naturalismo e o surrealismo perdem vigor no seio de uma discussão estética e experimentação artística cada vez mais diversificadas, assumindo conotações mais próximas ao figurativismo e ao abstraccionismo.
No percurso das experiências anteriores, de cariz surrealista, verifica-se uma evolução em direcção ao informalismo, ao passo que nos circuitos neo-realistas a progressão conduz a um tipo de experimentação figurativa de carácter diverso, influenciado, em ambos os casos, pelo cenário político e social que se vivia em Portugal, bem como por uma crescente aproximação às coordenadas artísticas internacionais.
São numerosos os sinais do despoletar de uma nova situação artística, que irá prolongar-se pelas décadas seguintes até à exaustão. Por um lado, a experimentação técnica levada a extremos, por outro, nas correntes mais ligadas ao modernismo, continuava-se a insistir na representação de formato académico, exclusivo da pintura e da escultura. Aclamando-se, contudo, uma pertença “ruptura” com a arte anterior.
As manifestações estéticas que figuram a partir dá década de 60 procuraram incessantemente uma assimilação de meios e linguagens, que até então não se encontravam contempladas no espaço estético.
Progressivamente, a história da arte passa a ser encarada como meio sobre o qual, os artistas operam, sendo que, o conhecimento do passado transforma-se num importante requisito para o estruturar das novas práticas. Valorizava-se, agora, à semelhança do que havia já acontecido na restante Europa, a conceptualização em detrimento da representação figurativa de carácter naturalista a que Portugal ainda continuava “preso”.
Multiplicam-se referências e campos de acção, a arte transpõe os limites do salão de exposições, ou da galeria (referência à Land Art e à Arte Povera).
No plano institucional, com a falência estrutural Sociedade Nacional de Belas Artes (S.N.B.A.), é de realçar a criação da Fundação Calouste Gulbenkian, nos finais da década de 50, mais precisamente em 1956, representando um impulso à actividade artística portuguesa de então.
Com a realização, da I Exposição Gulbenkian, em 1957, uma segunda exposição em 1961, e uma política continuada de atribuição de bolsas de estudo, bem como a criação de prémios de história e de crítica de arte, a Fundação Gulbenkian preenche um conjunto de lacunas governamentais nesta área, possibilitando oportunidades de desenvolvimento e mobilidade no espaço internacional a artistas recém formados.
É ainda de assinalar, a substituição do horizonte estético parisiense por destinos mais alargados, nomeadamente, à Alemanha e Inglaterra, países que a partir da década de 20 vinham adquirindo um peso crescente, no panorama artístico internacional. Porém, não só as bolsas de estudo contribuíram para o surto emigracional de artistas portugueses. Muitos partiram ao longo dos anos 60 por razões políticas, relacionadas nomeadamente com a guerra colonial.
Nos anos 60, viria a firmar-se no estrangeiro, uma mão cheia de pintores, que conseguiram inserir-se no circuito internacional, colocando-os de um modo geral, na vanguarda dos que ficaram ou regressam a Portugal. Foram os casos de René Bertholo, de Lourdes Castro, Gonçalo Duarte, Costa Pinheiro, José Escada, João Viera, entre outros, que em Paris fundam o grupo KWY.
Numa exposição realizada em Portugal, em 1960, este grupo de artistas, acaba por atrair a atenção sobretudo pela obra, do Búlgaro Christo, que na época também integrava o grupo KWY. As obras então apresentadas definiam-se por uma estética, apelidada em Paris, como “nouveau réalisme”.
António Areal, que se revelara um artista próximo ao surrealismo, adere de modo entusiástico a esta tendência, apresentando em 1964 uma exposição na Galeria Divulgação em Lisboa, à qual o próprio se refere como: […] “a pintura como expressão exclusiva não integra um conjunto de objectos que na escultura contemporânea, absorve ao mesmo tempo técnicas e possibilidades da pintura, do linealismo que constitui o desenho, e da tridimensionalidade”[...][1].
Outro exemplo desta época é Joaquim Rodrigo, que, tendo iniciado a sua carreira com uma prática integrada no abstraccionismo geométrico, opta na década de 60, por enveredar por uma linguagem neo-figurativa, em tom de comentário e de crítica aos factos políticos e sociais vivenciados naquele tempo.
A pesquisa desenvolvida por Joaquim Rodrigo foi considerada pela crítica da altura com uma “corajosa tentativa de criar uma iconografia popular”, aqui o termo “popular” é empregue com o objectivo de enfatizar o sentido elementarista e esquemático, quase que primário da pintura do artista, desenvolvida neste período. Na verdade, mais tarde a sua obra será conotada com o Pop Art inglesa.
São também exemplos deste período, Paula Rego, Eurico Gonçalves, António Sena, bolseiro em Londres, António Palolo, Costa Pinheiro, então radicado em Munique, e os objectualistas Manuel Baptista, Jorge Martins e José Escada, entre outros. Este ultimo, fez recurso à sobreposição de materiais recortados, papeis, plásticos ou metais, de modo padronizante, criando estruturas que se aproximavam em tudo à pintura-objecto (fig.1).
Ainda dentro do panorama sócio-cultural português de então, nascem uma série de publicações relacionadas com o campo estético, de entre as quais, se destaca a Artis, e o Jornal das Letras e Artes, (1961-1968), publicações que prestaram o seu contributo para o despertar dos performers da arte portuguesa, para as novas realidades e meios artísticos, com um apelo continuado ao debate e à produção estética contemporâneas.


[1] Declarações efectuadas a um jornal da época.



Museu de Arte Contemporânea do Funchal / Márcia de Sousa