Sobre o MACFunchal...

Este espaço reserva-se à publicação dos Cadernos da Fortaleza. Com esta rubrica, o museu procura divulgar aspectos mais detalhados sobre os contextos que conduziram à edificação da Fortaleza de São Tiago bem como, da sua posterior reconversão em espaço museológico, na última década do século XX.

16.8.09

CADERNOS DA FORTALEZA VII

A colecção do museu de arte contemporânea do Funchal

Existindo primeiramente como Núcleo de Arte Contemporânea, foi entendido como uma extensão do Museu Quinta das Cruzes. Funcionando inicialmente, em sede provisória organizada pela Direcção Regional dos Assuntos Culturais e, posteriormente, apresentado publicamente, já nos anos oitenta, como Núcleo de Arte Contemporânea na Quinta Magnólia, em duas salas cedidas para o efeito.
Só com a entrega da Fortaleza de São Tiago à Região Autónoma da Madeira, em 1992, e a transladação das obras que constituíam o Núcleo de Arte Contemporânea para a Fortaleza, passará o futuro museu, a ter casa própria.
Com a instalação da colecção de Arte Contemporânea em São Tiago, e uma vez criado o Museu, passou a estar contemplado na Lei Orgânica Regional em finais de 1993, tendo, a partir de então, sido enriquecido o seu espólio.
A colecção de Arte Contemporânea Portuguesa do actual MAC é essencialmente constituída por obras adquiridas a galerias de arte ou aos próprios autores, juntando-se a este núcleo as doações provenientes das exposições da extinta Galeria da Secretaria Regional de Turismo e Cultura e de particulares.
Presentemente, possui um espólio de aproximadamente 600 obras, repartidas entre o acervo activo da colecção e um núcleo dedicado à produção de âmbito regional. Do acervo MAC, fazem parte obras de artistas como Lourdes de Castro, René Bertholo, José de Guimarães, Ilda David, Jaime Lebre, José Loureiro, Jorge Martins, Michael Biberstein, Pedro Cabrita Reis, Manuel Baptista, Joaquim Rodrigo, Susanne Themlitz, Amy Yoes, António Areal, Vieira da Silva, Patrícia Garrido, Alberto Carneiro, Manuel Rosa, Artur Rosa, Rui Sanches, Pedro Proença, Helena Almeida, Sofia Areal, Albuquerque Mendes, Xana, Jorge Molder, Pedro Calapez, José Pedro Croft, Joaquim Rodrigo, Fernando Calhau, Fernanda Fragateiro, Joana Vasconcelos, entre outros.
Actualmente o Museu vive de exposições temporárias, por vezes de parceria com outras instituições, ou dando visibilidade, através de exposições rotativas, aos artistas representados na sua colecção, incluindo os artistas locais.
Com esta politica, o MAC, pretende possibilitar ao público em geral um conhecimento mais vasto, não apenas da produção artística portuguesa mais recente, mas também, permitir uma maior visibilidade da própria colecção. São ainda prestados serviços à comunidade de âmbito pedagógico através da disponibilização ao público de um Serviço Educativo e de um Centro de Documentação Contemporânea.







Museu de Arte contemporânea do Funchal / Márcia de Sousa

CADERNOS DA FORTALEZA VI

O prémio Cidade do Funchal

No que à Madeira diz respeito, o panorama artístico da década de 60 ficará para sempre marcado pela criação do “Prémio de Artes Plásticas Cidade do Funchal”, uma iniciativa da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, da Delegação de Turismo e da Sociedade Nacional de Belas Artes, entre os anos de 1965 e 1967 (fig.2,3e 4). Este prémio contou com a participação dos mais proeminentes artistas plásticos portugueses de 60. A comissão de jurados era constituída pelo crítico de Arte Rui Mário Gonçalves e Nelson di Maggio.

Como reminiscência deste importante certame, ficam um conjunto de obras que, adquiridas pela Junta Geral de Distrito Autónomo do Funchal, irão formar o núcleo inicial da actual colecção do Museu de Arte Contemporânea do Funchal.
Porém, a actividade cultural dos anos 60 no arquipélago da Madeira, não se restringia ao Prémio de Artes Plásticas Cidade do Funchal, sendo de salientar, a exposição do Pintor António Areal realizada em Março de 1966, no Museu da Quinta das Cruzes (fig 5 e 6) e a conferência proferida pelo Professor Doutor José Augusto França, intitulada “Metamorfose e Metáfora na Arte Contemporânea Portuguesa”, realizadas no mesmo ano (Fig.6), entre outros eventos.




Museu de Arte Contemporânea do Funchal / Márcia de Sousa

CADERNOS DA FORTALEZA V

Os anos 60 em Portugal

Os anos 60 foram marcados por um desvio do debate artístico no “espaço” que compreendia o panorama português.
O naturalismo e o surrealismo perdem vigor no seio de uma discussão estética e experimentação artística cada vez mais diversificadas, assumindo conotações mais próximas ao figurativismo e ao abstraccionismo.
No percurso das experiências anteriores, de cariz surrealista, verifica-se uma evolução em direcção ao informalismo, ao passo que nos circuitos neo-realistas a progressão conduz a um tipo de experimentação figurativa de carácter diverso, influenciado, em ambos os casos, pelo cenário político e social que se vivia em Portugal, bem como por uma crescente aproximação às coordenadas artísticas internacionais.
São numerosos os sinais do despoletar de uma nova situação artística, que irá prolongar-se pelas décadas seguintes até à exaustão. Por um lado, a experimentação técnica levada a extremos, por outro, nas correntes mais ligadas ao modernismo, continuava-se a insistir na representação de formato académico, exclusivo da pintura e da escultura. Aclamando-se, contudo, uma pertença “ruptura” com a arte anterior.
As manifestações estéticas que figuram a partir dá década de 60 procuraram incessantemente uma assimilação de meios e linguagens, que até então não se encontravam contempladas no espaço estético.
Progressivamente, a história da arte passa a ser encarada como meio sobre o qual, os artistas operam, sendo que, o conhecimento do passado transforma-se num importante requisito para o estruturar das novas práticas. Valorizava-se, agora, à semelhança do que havia já acontecido na restante Europa, a conceptualização em detrimento da representação figurativa de carácter naturalista a que Portugal ainda continuava “preso”.
Multiplicam-se referências e campos de acção, a arte transpõe os limites do salão de exposições, ou da galeria (referência à Land Art e à Arte Povera).
No plano institucional, com a falência estrutural Sociedade Nacional de Belas Artes (S.N.B.A.), é de realçar a criação da Fundação Calouste Gulbenkian, nos finais da década de 50, mais precisamente em 1956, representando um impulso à actividade artística portuguesa de então.
Com a realização, da I Exposição Gulbenkian, em 1957, uma segunda exposição em 1961, e uma política continuada de atribuição de bolsas de estudo, bem como a criação de prémios de história e de crítica de arte, a Fundação Gulbenkian preenche um conjunto de lacunas governamentais nesta área, possibilitando oportunidades de desenvolvimento e mobilidade no espaço internacional a artistas recém formados.
É ainda de assinalar, a substituição do horizonte estético parisiense por destinos mais alargados, nomeadamente, à Alemanha e Inglaterra, países que a partir da década de 20 vinham adquirindo um peso crescente, no panorama artístico internacional. Porém, não só as bolsas de estudo contribuíram para o surto emigracional de artistas portugueses. Muitos partiram ao longo dos anos 60 por razões políticas, relacionadas nomeadamente com a guerra colonial.
Nos anos 60, viria a firmar-se no estrangeiro, uma mão cheia de pintores, que conseguiram inserir-se no circuito internacional, colocando-os de um modo geral, na vanguarda dos que ficaram ou regressam a Portugal. Foram os casos de René Bertholo, de Lourdes Castro, Gonçalo Duarte, Costa Pinheiro, José Escada, João Viera, entre outros, que em Paris fundam o grupo KWY.
Numa exposição realizada em Portugal, em 1960, este grupo de artistas, acaba por atrair a atenção sobretudo pela obra, do Búlgaro Christo, que na época também integrava o grupo KWY. As obras então apresentadas definiam-se por uma estética, apelidada em Paris, como “nouveau réalisme”.
António Areal, que se revelara um artista próximo ao surrealismo, adere de modo entusiástico a esta tendência, apresentando em 1964 uma exposição na Galeria Divulgação em Lisboa, à qual o próprio se refere como: […] “a pintura como expressão exclusiva não integra um conjunto de objectos que na escultura contemporânea, absorve ao mesmo tempo técnicas e possibilidades da pintura, do linealismo que constitui o desenho, e da tridimensionalidade”[...][1].
Outro exemplo desta época é Joaquim Rodrigo, que, tendo iniciado a sua carreira com uma prática integrada no abstraccionismo geométrico, opta na década de 60, por enveredar por uma linguagem neo-figurativa, em tom de comentário e de crítica aos factos políticos e sociais vivenciados naquele tempo.
A pesquisa desenvolvida por Joaquim Rodrigo foi considerada pela crítica da altura com uma “corajosa tentativa de criar uma iconografia popular”, aqui o termo “popular” é empregue com o objectivo de enfatizar o sentido elementarista e esquemático, quase que primário da pintura do artista, desenvolvida neste período. Na verdade, mais tarde a sua obra será conotada com o Pop Art inglesa.
São também exemplos deste período, Paula Rego, Eurico Gonçalves, António Sena, bolseiro em Londres, António Palolo, Costa Pinheiro, então radicado em Munique, e os objectualistas Manuel Baptista, Jorge Martins e José Escada, entre outros. Este ultimo, fez recurso à sobreposição de materiais recortados, papeis, plásticos ou metais, de modo padronizante, criando estruturas que se aproximavam em tudo à pintura-objecto (fig.1).
Ainda dentro do panorama sócio-cultural português de então, nascem uma série de publicações relacionadas com o campo estético, de entre as quais, se destaca a Artis, e o Jornal das Letras e Artes, (1961-1968), publicações que prestaram o seu contributo para o despertar dos performers da arte portuguesa, para as novas realidades e meios artísticos, com um apelo continuado ao debate e à produção estética contemporâneas.


[1] Declarações efectuadas a um jornal da época.



Museu de Arte Contemporânea do Funchal / Márcia de Sousa

CADERNOS DA FORTALEZA IV

Entrega da Fortaleza de São Tiago à Região Autónoma da Madeira e a fundação do Museu de Arte Contemporânea do Funchal

Em 1991, o Governo Regional da Madeira realiza uma série de diligências junto da delegação do Estado-Maior das Forças Armadas, no Funchal, no sentido de requerer a cedência da Fortaleza à Região com o objectivo de transformar esta infra-estrutura militar num espaço vocacionado para a actividade cultural.
Com efeito, um ano mais tarde, a 17 de Julho de 1992, a Fortaleza de São Tiago é entregue à Região, através de protocolo de cedência, ressalvando-se a reserva de um espaço destinado a um Núcleo Museológico Militar, assinado pelo Primeiro-Ministro em funções na época, o Presidente do Governo Regional da Madeira, o Ministro da Defesa e o Comandante da Zona Militar da Madeira. (ver fig. 1 e 2)
Com a desocupação da Fortaleza por parte do Esquadrão de Lanceiros do Funchal, o imóvel é classificado, ao abrigo dos decretos-lei Dec. N.º 30 762, DG 225 de 26 Setembro 1940; Dec. n.º 30 838, DG 254 de 01 Novembro 1940 e Dec. nº 32 973, DG 175 de 18 Agosto 1943, ZEP, DG 262 de 07 Abril 1964, como Património de Interesse Regional. Mais tarde, são realizadas algumas obras de recuperação e readaptação do edifício, de forma a possibilitar a instalação daquele que é hoje o Museu de Arte Contemporânea do Funchal.






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CADERNOS DA FORTALEZA III

A Fortaleza de São Tiago - 3ªparte

Nos finais da centúria de XVIII, a generalidade das fortificações do arquipélago encontrava-se em estado de degradação, fruto do desinteresse geral. De facto a situação tomou tais proporções que o Governador em exercício se queixa por carta a Lisboa de que os habitantes não querem saber das fortificações, nem da defesa do arquipélago. Quando interpelados sobre este aspecto, as povoações replicavam que caso houvessem dificuldades os “senhores ingleses os defenderiam”.
Na realidade os madeirenses tinham razão! Cerca de vinte anos mais tarde, durante o período que duraram as Guerras Napoleónicas, entra na Madeira um comboio Inglês composto pelo navio de linha “Agro”, pela fragata “Carrysfort” e pelo bergantim “Falcon”, com uma armada de cerca de 3500 homens comandados pelo Coronel Henry Clinton, ocupando as abandonadas fortificações regionais, incluindo a Fortaleza de São Tiago, na altura comandado por João Manuel de Atouguia e Vasconcelos.
A Fortaleza de São Tiago beneficia largamente da ocupação inglesa, uma vez que não lhes agradando o estado em que encontraram a fortificação, vão exigir à coroa portuguesa um reforço de artilharia. Assim, a 25 de Julho de 1801 a Fortaleza recebia munições de guerra e um parque de artilharia com a respectiva guarnição. Tendo, contudo, sido mantida a anterior guarnição de um subalterno, um sargento, um cabo, um tambor e 15 soldados.
No entanto, se por um lado a ocupação das instalações defensivas da região trouxe aspecto positivos às edificações, possibilitando a sua manutenção, por outro, com a saída dos militares ingleses, quer em 1801, quer em 1806, as peças de artilharia, colocadas em condições que talvez não seriam as melhores, e com a devolução do restante armamento que provavelmente existia a Lisboa, a ilha é deixada novamente em condições de defesa muito precárias.
Aquando da grande aluvião de 1803, o comandante militar em exercício na Fortaleza, recebe ordem para alojar nas instalações de São Tiago as vítimas da aluvião que tinham ficado sem habitação. Por volta de 1806 o destacamento britânico abandona definitivamente a ilha (fig.6e 7).
Já durante o séc. XIX iniciam-se as obras de construção da casa do Governador da Fortaleza, que irão alterar parcialmente a forma estrutural do imóvel aproximando-o à sua configuração actual.
Nos inícios do século XX a Fortaleza sofre alguns melhoramentos, especialmente aquando da visita do Rei D. Carlos I à Região (fig.8 e 9). Funcionava, então, como quartel da Bateria de Artilharia Móvel e possuía uma secção destacada no Forte do Ilhéu.
Por meados do séc. XX, já desocupada, volta a ser reorganizada pela Liga dos Combatentes, sendo então feitas remodelações, por volta de 1974. Mais tarde é ocupada pela Polícia do Exército que se instala na Fortaleza com o Esquadrão de Lanceiros do Funchal.











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CADERNOS DA FORTALEZA III

A Fortaleza de São Tiago - 2ªparte

No ano de 1614 os trabalhos de edificação da muralha alcançam os penhascos adjacentes à igreja de Santiago, supondo-se, ser esta também a data de inicio das obras de construção da Fortaleza como fecho deste troço, a julgar igualmente, pela inscrição que se encontra na chave do arco de cantaria que serve de remate à porta primitiva da fortaleza.
O traçado original da fortaleza é atribuído a Jerónimo Jorge, fortificador régio, que veio para a ilha em substituição de Mateus Fernandes. Todavia, Jerónimo Jorge morre a 26 de Dezembro de 1617, sendo substituído por um dos seus filhos, Bartolomeu João, que levará a termo a planificação e as obras de edificação da Fortaleza.
Por volta de 1618, através de Alvará Régio de D. Filipe III de Espanha (fig.3), a construção é dotada de meios financeiros, estando as obras de edificação da primitiva fortaleza concluídas a meados de 1637.
A primeira representação da Fortaleza, após a sua conclusão, surge pela mão de Bartolomeu João num mapa datável de 1654 (fig.4). Segundo palavras de Rui Carita[1], tratava-se de uma pequena fortificação com três níveis de esplanadas, todas artilhadas, sendo as esplanadas médias análogas com acesso directo à esplanada baixa, por duas escadarias, das quais apenas uma chegou aos nossos dias em conjunto com a cisterna.
A esplanada superior ou alta, possuía sensivelmente metade do tamanho que tem hoje, e tinha ligação, como acontece presentemente, com a esplanada média Este. Existindo ainda uma escadaria a Este de acesso ao mar. Da Fortaleza de São Tiago, ainda durante o século XVII, pouco mais se sabe, salvo a nomeação do Capitão Manuel Telo Catanho de Meneses, em 1697, com a missão de prover pela manutenção da fortaleza e garantir um serviço de vigias. No início do século XVIII, São Tiago possuía uma carga de artilharia composta por 16 peças montadas, sendo 4 de bronze, e 12 de ferro, com um efectivo de 20 homens (ver fig.5) (Carita,1993)[2]. De meados deste século, são também, as obras de ampliação da Fortaleza, então sob o comando do Governador e Capitão General José Correia de Sá. As obras estiveram a cargo do Engenheiro Francisco de Alincourt, ou do seu antecessor Tossi Columbina. À traça original foram acrescentados: mais um baluarte avançado a Oeste, as duas baterias baixas, e possivelmente as guaritas que a fortaleza possui presentemente. A data de 1767, em lápide sobranceira à porta, marca provavelmente o fim das obras. Estas obras de ampliação deram à Fortificação a configuração que encontramos na actualidade.




[1] (falta completar--- A arquitectura militar na Madeira séculos XV a XVII
[2] (falta completar--- A arquitectura militar na Madeira séculos XV a XVII





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CADERNOS DA FORTALEZA III

A Fortaleza de São Tiago - 1ªparte

No que à Fortaleza de São Tiago diz respeito, a ideia da sua construção é contemporânea à construção da Igreja de Santiago, vulgarmente conhecida como Igreja do Socorro, datada de 1523, época em que é efectuado pedido a D. João III (fig.1)

para que fossem enviados orçamentos para a edificação de dois baluartes, a construir na zona de Santa Catarina e no Corpo Santo. Porém, neste período encontrava-se em construção o Palácio de São Lourenço. A ideia da construção de uma fortificação na zona do Corpo Santo, terá sido posta temporariamente de lado.
Com o ataque de 1566, as atenções voltam-se novamente para o lado Este da cidade. Com o Regimento de D. Sebastião, decide-se murar a cidade no troço compreendido entre as ribeiras de São João e de João Gomes, (fig.2) deixando de parte o Bairro de Santa Maria do Calhau, pobre e habitado por artesãos e pescadores.
A opção de colocar fora dos muros da cidade a povoação de Santa Maria Maior, partiu dos mercadores e proprietários abastados da época, à semelhança do que acontecera com o regimento de Fortificação de 1493. A “nova” cidade, na sua quase totalidade de pedra, devidamente amurada, punha de lado a burgo mais a oriente da cidade, ainda de cariz medieval e na sua quase totalidade construído sobre estruturas de madeira.
Com a passagem da coroa de Portugal para os Habsburgo e toda a resistência organizada nos Açores por D. António Prior do Crato, na altura apoiado pelas armadas inglesa e francesa, foi novamente necessário repensar a defesa do Funchal.
Concluiu-se então, ser necessário prolongar a muralha defensiva ao longo de toda a frente mar até à praia de Santa Maria do Calhau, actual praia de São Tiago. Foi tal a urgência que até o Governador e Capitão General do Funchal em funções na época, e recentemente nomeado para o cargo de “geral e superintendente das cousas de guerra”, Tristão Vaz da Veiga, chegou a trabalhar na construção da muralha, conforme o referido na época: “e elle mesmo andava trabalhando nella com um cesto às costas, com que fazia trabalhar melhor toda a gente” (apud Carita, 1993)[1].
Com efeito, a trincheira (…)“de madeira e humo banda e entulhada de calhao”(…), (apud Carita,1993)[2] é passada a pedra, encontrando-se já em avançado estado de construção por volta de 1611.


[1] (falta completar--- A arquitectura militar na Madeira séculos XV a XVII
[2] (falta completar--- A arquitectura militar na Madeira séculos XV a XVII





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CADERNOS DA FORTALEZA II

As guerras de corso e a defesa da cidade do Funchal - 2ªparte

A partir de 1580, o corso assume outro rumo, mais intenso, por vezes disfarçado e em forma de represália, não se limitando apenas ao saque das embarcações, atacavam também por terra, indo à procura de água e outros bens junto dos habitantes locais. De entre as armadas de corsários que passaram pelos arquipélagos Atlânticos, destacam-se: a armada de Francis Drake, 1581-85 (fig.2), do Conde de Cumberland, 1589 (fig.3) de John Hawkins, 1579 (fig.4), de Martin Frobisher, Thomas Howard, e do Conde de Essex, 1597 (figs.5,6).












No que concerne à Madeira, durante este período sucedem-se inúmeros ataques de corsários franceses. Porém, só em 1566, com o assalto corsário francês comandado por Bertrand de Montluc à cidade do Funchal, verificou-se um maior empenho da coroa e das autoridades locais na defesa da ilha. Retomam-se, assim, os planos e recomendações anteriores no sentido de definir uma defesa eficaz da cidade. Deste modo, só em 1559, o Regimento de Ordenanças do Reino de publicado em 1549 tem, pela primeira vez, aplicação na Madeira. Numa primeira fase é implementado o regimento de vigias, e posteriormente por volta de 1570, o de ordenanças.
Mateus Fernandes, mestre-de-obras reais, teve a seu cargo o levantamento militar da cidade Funchal, planificação e fortificação das localidades costeiras do arquipélago. Estudo do qual resultou uma planta da cidade elaborada em 1570 (fig.7). Em 1572, Mateus Fernandes, é destacado oficialmente para a ilha, a fim de executar a fortificação da cidade, manteve-se no arquipélago até finais do século XVI.










Da implementação do regimento de fortificação idealizado por Mateus Fernandes, resultou o reforço do recinto abaluartado da Fortaleza Velha que com o fim das obras de ampliação por volta de 1620, passa a ser designada como “Fortaleza Nova”. No mesmo ano, é designada de São Lourenço, assim denominada em função da devoção da família de Habsburgo (fig.8 ) a este santo. Ainda deste regimento de fortificação, nascerá uma outra fortificação junto ao pelourinho (fig.10 e11) e a estruturação de um lanço de muralha entre as duas.
O plano defensivo viria a completar-se no período de união das duas coroas peninsulares, com a construção da Fortaleza de São Tiago (1614-1621), (fig.12 e 13) do Castelo de S. João do Pico (1603-1637) (fig.14), e com o aumento da muralha da cidade.












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CADERNOS DA FORTALEZA II

As guerras de corso e a defesa da cidade do Funchal - 1ªparte


Desde o primeiro quartel do século XV, que a ilha da Madeira e em particular o porto do Funchal, à semelhança das Canárias, foram um importante ponto de escala e apoio às expedições da expansão portuguesa, primeiro para Oriente e depois para o Brasil. Neste porto contemplava-se abrigo e abastecimento das naus, bem como trocas comerciais de bens de cultivo regional como o vinho e o açúcar. À época, o sector primário assume um peso significativo na economia da região, pese embora, mais tarde, a sua importância, no contexto das trocas comerciais europeias, desvaneça com a concorrência no século XVI, das produções provenientes do Brasil.
O período que decorre entre os finais do século XVI e a primeira metade do século XVII constitui um momento importante na história das ilhas e da gestão dos recursos marítimos do Atlântico.
A decadência política e social que se vivia no Portugal de então, em conjunto com a concorrência das Ilhas Canárias, atenuam a proeminência da Madeira, que, no entanto, mantinha ainda alguma relevância portuária em certas rotas do Atlântico Sul, relacionadas com mercados portugueses e com alguns circuitos de emigração.
É importante salientar, que na base da crise experimentada por Portugal, encontravam-se as constantes querelas pela soberania sobre o Mar Ibérico, construído à custa de pactos e bulas papais.
O oceano da segunda metade do século XVI perspectivava-se como um espaço que deveria ser de livre circulação. Desta intenção, resultam conflitos que contribuirão para o reconhecimento definitivo do direito ao oceano aos diversos povos do espaço europeu, […]“aos poucos o maré clausum transformou-se no “maré liberum” […] (apud, Vieira, 1994).
A instabilidade vivida teve como resultado batalhas navais e assaltos de corsários, reflectindo-se de forma evidente no quotidiano insular pela inquietação das populações e traduzindo-se numa nova estruturação social, mais voltada para a defesa. Foram então, organizadas milícias, novos planos de fortificação, o artilhamento das embarcações comerciais e a criação de uma armada para defesa das naus em trânsito.
Em terra foi estratificada uma linha defensiva nos principais portos, ancoradouros e baías, que embora insuficiente, tinha como objectivo travar o desembarque de possíveis intrusos. O temor e o clima de insegurança que se vivia nos arquipélagos, teve na unificação ibérica e no recentemente aclamado rei de Portugal, Filipe II (fig.17), o principal rosto.
D. Filipe, apostou na centralização das ilhas, pondo termo a alguns poderes tradicionais, que no caso das ilhas portuguesas, constituiu-se como uma represália ao autoritarismo dos Capitães Donatários. A falta de lealdade de alguns à coroa culminou numa quase total perda de influência.
A união das duas coroas peninsulares e a subjugação à nova monarquia, contribuiu para um agravar das hostilidades e para o aumento da vulnerabilidade do arquipélago às investidas dos piratas e corsários europeus.
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CADERNOS DA FORTALEZA I

A LOCALIZAÇÃO ESTRATÉGICA DA ILHA DA MADEIRA NO PANORAMA ECONÓMICO DOS SÉCULOS XIV E XV – 2.ª PARTE

Com a disputa pelo domínio das ilhas Atlânticas, sem fim previsto, e apesar de há muito se conhecer a localização do Arquipélago da Madeira, não existiam referências do seu reconhecimento por outros povos. Assim, segundo Alberto Vieira[1], só em 1418, a mando do Infante D. Henrique, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, (fig.5,6,7e 8) aportam à ilha do Porto Santo. Tratou-se de uma viagem intencional, com o objectivo de re-achar fortuitamente as ilhas, e reclama-las oficialmente como pertencentes ao território português. A redescoberta da ilha da Madeira só terá acontecido posteriormente, cerca de um ano mais tarde, mais precisamente a 1 de Julho de 1419.
O ano de 1425 é apontado como o ano de início do processo de povoamento, ocupação e repartição do território por capitanias (fig.9). A repartição jurídica do território por capitanias, em número de três, a de Machico é entregue a Tristão Vaz Teixeira, o Porto Santo atribuída a Bartolomeu Perestrelo e o Funchal concedida a João Gonçalves Zarco, por carta de doação.
Porém, só a 8 de Setembro de 1460, o Infante D. Henrique, na qualidade de senhor das ilhas do Arquipélago da Madeira, dava a entender o seu protagonismo neste descobrimento fazendo recurso da expressão […] novamente achei […] (Vieira, 1994)[2], uma vez que até então, ninguém havia reclamado oficialmente o Arquipélago.
A prioridade portuguesa sobre estas ilhas é ainda reafirmada em 1493, pelo Rei D. João II […]Porquanto essa ilha não foi do nossos antepassados nem dela tiveram direito algum ou domínio antes de ser descoberta e ocupada pelo senhor rei nosso bisavô […] (Fernandes, Janes e Pita, 2000)[3].
O povoamento e o processo de valorização económica do Arquipélago da Madeira, destacou-se no contexto da expansão portuguesa como uma espécie de ensaio dos métodos e técnicas que serviram de base à afirmação portuguesa no domínio e construção das novas economias atlânticas. A organização do arquipélago da Madeira, respondeu às solicitações da conjuntura interna do Reino, quer como resposta à disputa pelo direito às Canárias, como pela necessidade de constituir no Atlântico um ponto de apoio às expedições ao longo da costa de África.
Compreende-se deste modo, que pela sua localização estratégica no seio do Oceano Atlântico, foi mais importante o reclamar oficial do território, que a sua descoberta. Uma vez que o reconhecimento do arquipélago, dentro do espaço de circum-navegação português, permitiu uma maior e melhor valorização económica, bem como o assegurar da supremacia portuguesa em relação a Castela no que concerne ao domínio e expansão oceânica.






[1] “O infante e as Ilhas”, in O Infante e a Madeira dúvidas e certezas, pp75-94, Colecção Atlântica 4.
[2] Ib.
[3] In História e Autonomia da Madeira ( falta completar)




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CADERNOS DA FORTALEZA I

A localização estratégica da ilha da Madeira no panorama económico dos séculos XIV e XV – 1.ª parte

A existência de ilhas paradisíacas, mágicas, povoadas por estranhas criaturas e cobertas por névoa no Oceano Atlântico esteve, desde a idade clássica, ligada à mitologia, fenómeno que se manterá para além do Renascimento, justificando a crença de marinheiros e mercadores a respeito destas ilhas. Das representações mitológicas, resultam as primeiras cartas-portulanos, nas quais se encontravam referências a um conjunto de ilhas, cuja posição no atlântico e descrição, poder-se-ia associar à localização do Arquipélago da Madeira. Uma das lendas mais famosas é a que associa o conhecimento das ilhas atlânticas à lenda de São Brandão e às viagens por este realizadas no século VII. Porém, a primeira referência concreta à localização do arquipélago, surge numa carta-portulano, medieval, de autoria Angelino Dulcert, datada de 1339 (fig.1), sendo referido como Insulle Sa Brandani siue puelan. Por volta de 1375-78, reaparecem referências ao arquipélago, desta vez pela mão dos irmãos Pizzigano, em cuja carta se referiam às ilhas atlânticas como Ysole detur sommare sey ysole pone, le brandanie (ilhas chamadas do Sonho ou ilhas de São Brandão. Contudo, é a partir da publicação do Atlas de Médici (fig.3) que passa a ser notória uma representação correcta da localização no Atlântico do grupo de ilhas que constitui o arquipélago.
O progresso na representação cartográfica do Arquipélago da Madeira, resultou de uma observação presencial, fruto das várias expedições portuguesas realizadas às ilhas Canárias. Não obstante, das disputas territoriais entre Portugal e Castela, as expedições portuguesas, beneficiaram da presença de Manuel Pessanha, genovês, que ao serviço de D. Dinis (em carta de 1317), foi contratado para organizar e preparar a então insípida frota real portuguesa na arte de marear. Em 1320 a Coroa Portuguesa havia conseguido o apoio necessário junto do papado, para levar a cabo uma guerra de corso pela costa de África. A presença da armada portuguesa nestas paragens é prova do conhecimento do Arquipélago.
Conhecedor destas campanhas, o Papa de Avinhão, por volta de 1344, no Concílio de Basileia, concede o senhorio das ilhas Afortunadas (Ilhas Canárias) a D. Luís de La Cerda,[…] em troca da promessa de cristianizar os indígenas[...]. Esta doação, contrária aos interesses portugueses, desencadeou uma acesa disputa entre as Coroas de Portugal e Castela que apenas verá termo no ano de 1479, com o Tratado de Alcáçovas / Toledo (fig.4).
Na disputa peninsular pelas ilhas Atlânticas, foram apresentados argumentos de ordem diversa por ambas as partes reivindicando a sua posse. Em 1345 D. Afonso IV, de Portugal, como resposta à Bula do Papa Clemente VI, reclama a posse das ilhas Canárias, usando como argumento a prioridade de conhecimento e a proximidade geográfica. Cem anos mais tarde, D. Duarte recorre aos mesmos argumentos para reclamar as ilhas, ainda não conquistadas, junto do Papa Eugénio IV. O acolhimento papal às pretensões portuguesas conduziu a uma resposta imediata por parte de Castela, conseguindo por sua vez, obter junto do Papa a revogação da Bula.

Museu de Arte Contemporânea do Funchal / Márcia de Sousa